Vou explicar uma coisa e espero que fique bem claro!
É sobre meu filho, e se resume em dois pontos:
1º. não adotei um filho para virar modelo de comportamento, muito menos para criar atrito ou desafiar minha família ou a do Enrique.
2º. não mantenho meu filho tão ativo no futebol porque quero que ele seja a salvação da minha vida e ganhe milhões como jogador de futebol.
Uma vez que os pontos foram ditos, vou explicar um pouco sobre cada um e espero que as coisas fiquem claras!
Quem me conhece bem, sabe que tenho princípios e valores muito próprios e não quero perder meu tempo com fofocas e críticas à vida alheia. Antes de tudo acredito que devo cuidar da minha casa e família, observando tudo o que posso aprender e melhorar individualmente e no conjunto familiar, portanto este textão é um desabafo relativo a uma série de coisas que já ouvimos e sentimos, e que tantas vezes não respondemos a altura devida.
Quando decidimos que era hora de ter um filho, já estávamos há algum tempo vivendo juntos, aqui já seguíamos nossos conceitos de vida e estávamos juntos, sem nenhuma formalização social, como o casamento, pois não acreditávamos na sua necessidade para nos manter unidos e felizes, seguíamos o rio do nosso coração que já mostrava ir contra a correnteza do rio que navegava a família. Passamos alguns anos, esperando o filho e sem a surpresa da barriguinha, decidimos consultar um médico, pois como tenho um problema hormonal de nascimento, imaginei que por isso eu não engravidava e, se fosse necessário, eu faria um tratamento, desde que não fosse nada muito complexo e caro. Foi neste momento que descobrimos que nascemos um para o outro, somos os opostos perfeitos, enquanto eu produzia alguns hormônios a mais, Enrique produzia os mesmos a menos, desta forma só poderíamos ter um filho por inseminação artificial, e como o nome diz; é artificial e não topamos. Eu particularmente não gosto de nada que não seja 100% verdadeiro.
Nesse momento sentamos e conversamos, coisa que é rara para o Enrique sempre muito calado, mas a sugestão da adoção partiu dele e eu aprovei de imediato. Na semana seguinte a esta conversa entramos com o processo para capacitação e liberação para sermos pais adotivos. O processo inicial foi tranquilo, demoramos cerca de um ano para receber o certificado que nos deu permissão para visitar os abrigos e buscar nosso filho, enquanto nosso nome seguia na lista de pais em espera de seu filho.
Aqui faço uma parada para explicar o que entendo e percebo do processo de adoção no Brasil. Muitos questionam a demora e a desorganização, nós não temos do que reclamar, pois temos crenças muito próprias para a vida, que vou explicar mais a frente. O fato que vejo nas adoções são pessoas que buscam filhos modelos e perfeitos, com características físicas ou de personalidade que não condizem com a realidade da adoção e do Brasil. Alguns exemplos: muitos definem características físicas para a criança a ser adotada, isso é um dos pontos que dificulta o processo. Segundo informações divulgadas frequentemente na mídia, há um número considerável de pais pedindo: menina, com até 2 anos, de pele e olhos claros. Quando olhamos para a realidade da sociedade brasileira e das crianças que seguem para a adoção, vermos, de imediato, que são pequenas as chances de existir uma criança assim. E, há ainda, casos de adoção em que as famílias aceitam crianças com mais idade, porém acabam por devolver, com a justificativa de que o comportamento e a personalidade da criança é inadequado para aquele meio famíliar. Eu sou da opinião de que a maternidade/paternidade deve envolver um olhar tridimensional sobre tudo o que representa aquele ser “filho” que passa a ser de sua responsabilidade. Uma criança não é um objeto, mas sim um ser em formação e este processo árduo é de total responsabilidade dos pais; se falhamos e temos problemas com o filho gestado, é lógico que o mesmo vai se passar com o filho do coração. Neste caso temos que considerar toda a vida da criança, desde a gestação até o momento que chega a nossa vida, nossa casa. Provavelmente essa criança passou por desilusões, abandono e muito mais coisas podem ter acontecido e na grande maioria dos casos elas passam por todas estas situações sem ter um apoio de um adulto capaz para ajudar emocionalmente e psicologicamente. Quando recebi meu filho, com 5 anos de vida, eu tinha muito claro que tudo aquilo seria novo para mim, mas muito mais novo e desafiador para ele. E neste momento, eu e o Enrique, tínhamos que ser as pessoas referências para que ele se abrisse ao novo, com paciência, amor e dedicação. Nós tínhamos que reconstruir a vida da criança, não podíamos querer que ele fosse como um boneco, que moldávamos seus modos, comportamentos, falas e tal. Tínhamos claro em nossos corações que íamos aprender muito com nosso filho e nenhuma verdade era tão verdadeira que não pudesse ser descartada e repensada. Juntos os três (3) decidíamos a cada momento como resolver as coisas, lógico que em muitos momentos tivemos que agir com a autoridade nata dos pais, mas em muitos outros cedemos, descemos ao nível da dor daquele coração, ou da infantilidade e imaturidade daquele pequenino homem para aprendermos com a sua personalidade. Sim, as crianças podem nos ensinar muito e, digo de coração aberto, meu filho me fez uma nova mulher, quebrei muitos paradigmas, refleti sobre conceitos, me reinventei e gosto muito mais da mulher que sou hoje. Tiveram momentos que ele nos colocava em encruzilhadas e não sabíamos como agir, buscamos ajuda de amigos e de profissionais, mas o mais importante, nunca rotulamos. Qualquer atitude inadequada que ele tivesse não significava um rótulo, mas sim uma oportunidade para juntos em família formarmos melhor aquele menino. O que vejo acontecer em muitas famílias e relações é a criação de rótulos, porque uma pessoa falou ou agiu de uma determinada forma ela ganha um rótulo e vira aquilo por toda a sua eternidade. Eu não gosto de rótulos, e não sou os rótulos, sou muito mais do que uma atitude, uma ação, um dia. Sou uma vida, uma história, uma junção de pensamentos, aprendizagens e sentimentos. Assim penso e assim levo as minhas relações em casa, no trabalho e na vida.
Muitos reclamam do processo de adoção e dizem que a justiça demora para que as crianças sejam postas ou liberadas para adoção. Em nosso caso, a justiça deu todas as oportunidades para que a mãe biológica pudesse se ressocializar e ter a oportunidade de seguir com ele em uma vida com mais segurança. Com outras crianças que estavam abrigadas na mesma época do nosso pequeno, vimos a justiça tentando alternativas para que a criança seguisse junto a sua família biológica, eles entendem que manter este laço é o ideal para a criança. A mãe de nosso pequeno, tentou por um ano se reabilitar, ter um lar fixo, um emprego, tudo com o apoio de instituições indicadas, mas no final vencida, sem forças para seguir ela liberou ele para adoção. Aqui está a diferença, ela teve um gesto de amor nobre, reconheceu sua limitação e liberou seu filho amado (todos no abrigo nos contavam como ela era carinhosa e amava ele) para que não vivesse daquela forma e fosse entregue para outra família. Não nos conhecemos, quando surgimos na vida de nosso filho ele estava totalmente liberado para adoção. Infelizmente os casos não são parecidos e muitas crianças ficam nos abrigos esperando que um familiar a acolha em definitivo, são diversas situações que prendem as crianças e a justiça fica presa, limitada em recursos, sem poder destituir as famílias. Acredito que em muitos casos se perceba, a olhos claros, que a família não terá condições de dar o básico para a criança, e deveria haver alguma forma da justiça acelerar estes processos de destituição. Mas ao invés de criticar, prefiro ajudar contar minha história de sucesso e amor, e ser esperança para outras famílias. Se não posso ajudar, não vou atrapalhar.
Muito bem, uma vez que estávamos de posse do certificado, começamos a buscar nosso filho, visitando abrigos no Rio de Janeiro. Era como se estivesse grávida, o coração batia forte a cada sábado ou domingo que visitávamos um abrigo. O coração sofria com o futuro que parecia reservado a tantas crianças abrigadas, como disse antes, nem todas estão liberadas para adoção. Um dia chegamos a um orfanato no Jardim Botânico, na rua Faro. Ali, umas poucas freiras cuidavam de outras poucas crianças, não tinham mais de sete crianças. Neste lugar cheio de preciosas árvores, que parecia esquecido pelo mundo, numa região nobre do Rio de Janeiro, eu me encantei por um menino e Enrique se apaixonou por uma menina, com um pouco de conversa descobrimos que eram irmãos e que tinha mais uma menina, aquele pequeno núcleo famíliar era composto por uma pequenita espoleta de 2 anos e meio, um menino encantador de 7 anos e uma princesa desconfiada de 12 anos. Era muito, não podíamos receber as três crianças de uma única vez em nossas vidas, não teríamos como pagar colégio, saúde para todos, nosso apartamento era um pequeno sala e quarto em Botafogo e eu trabalhava cerca de 10 horas ao dia. Impossível!!! Nesse dia decidimos que não poderíamos seguir buscando nosso filho daquela forma, porque nos apaixonaríamos por todas as crianças e daríamos esperanças para cada uma. Não podíamos ser portadores de mais dor para aquelas criaturinhas e, tampouco, podíamos escolher um filho. Um filho não é uma roupa que vou à loja, provo e escolho a que melhor se adapta comigo. Não posso escolher o da barriga, sendo assim, o do coração muito menos seria escolhido. Naquela noite, chegamos em casa e da minha cama, olhando o céu eu pensei:
Vamos ficar na fila, esperando a nossa vez, o filho que está determinado para ser nosso vai aparecer. Assim será! – E assim foi, ficamos 2 anos na fila de espera, até que um dia resolvemos ligar par ao juizado de menores para me informar se precisava revalidar o certificado pelo tempo que já estávamos cadastrados, a pessoa que me atendeu perguntou do nosso perfil e quanto tempo estávamos na espera. Se espantaram que com um perfil tão abrangente ainda estivéssemos esperando. No dia seguinte à minha ligação ela me chama e diz que tem uma criança no Romão Duarte, disponível para a nossa visita. Fomos até ali e, era ele, o menino que de alguma forma eu conhecia de outras vidas, de meus sonhos. Era aquele rosto que eu esperava, aquele sorriso, tudo nele era perfeito e se encaixava com o que sempre quis sem saber que queria. Era ele!!!! Nos pediram para ler sobre sua história, uma criança com 5 anos e uma vida já cheia de sofrimentos, mas que sorria com o sorriso mais lindo do mundo, como se a dor e o passado não fizessem parte daquele corpo. Nos questionaram se mesmo depois de ler ainda queríamos ser seus pais e “claro, claro que sim” é o que dizíamos. Nada nos tiraria da ideia fixa de que aquele menino era o que esperamos por 2 anos mais o tempo da certificação.
Sim, de verdade acredito nisso. Acho que em algum momento lá no céu, numa grande mesa redonda e branca, sentamos todos; Enrique, Luiz Felipe, eu, os pais biológicos, ainda estávamos acompanhados da alguns bons amigos espirituais que auxiliaram naquele momento e, juntos definimos que eu e Enrique não poderíamos ser os pais biológicos do Luiz Felipe, mas que ele era o nosso filho, determinado em outras vidas e que de alguma forma aqui o encontraríamos. Os pais biológicos do Luiz Felipe, seriam apenas pessoas instrumentos para que ele chegasse até nós, mas nos perdemos uns dos outros e ele demorou um pouco mais. Mas o Universo e Deus, trabalharam lá de cima e enfim nos encontramos. Sempre contei esta história para meu filho e, de verdade é a história que acredito.
Muito bem, acho que já podem entender que adotamos por nossas crenças e pela desejo de ter um filho, não para atacar a família com uma criança que não tem nosso sangue nem nossa raça. Aliás, vamos combinar este papo de raça – pra mim – é a coisa mais ultrapassada do planeta! Somos todos iguais, como digo: temos dois braços, duas pernas, dois olhos, um nariz, um rosto e uma boca. Pequenas diferenças em cada um, que é o que nos faz únicos no mundo, mas só isso, no final somos todos iguais e depois quando morrermos voltamos ao pó.
Você deve estar se perguntando porque escrevo isso, mas sim, de verdade, tiveram pessoas que disseram que adotamos um menino negro para afrontar. Minha resposta só é uma, as costas. Não dependemos de nada, nem de ninguém para nos ajudar no dia-a-dia com nossa casa e filho, não dependemos de ajuda da família. Erramos em muitas coisas, eu principalmente, sou a que mais erros cometi na vida, pago por meus erros e também aprendo com eles. Mas também tive muitos acertos e assim levamos a vida, caindo e levantando, mas uma coisa tenho clara, a construção da minha família é na base do amor, não em imposição e ameaças.
Agora sobre o segundo ponto, eu falei que ia ser textão. Algumas pessoas já me disseram por palavras retas e tortas que estamos investindo no nosso filho e nos mudamos para a Espanha para que ele fosse um jogador de futebol famoso. É, eu gosto de ver o futuro, estudo o tarô e a numerologia, mas não tenho nenhuma certeza e muito menos garantia, se tudo o que descubro nesses estudos realmente vão se concretizar, afinal existe o livre-arbítrio.
Se perguntado, o Luiz Felipe, como outras tantas crianças vão dizer que quando crescer serão jogadores de futebol, cantores, atores e muitas outras profissões de glamour, mas quem nos garante que chegarão lá? O que de verdade não faço é limitar os sonhos do meu filho, se ele quer, que lute por seus sonhos. Mas deixo claro, tem que estudar e ter plano A, B, C, D, E, F e tantos outros necessários para que a vida não fique parada e perdida no meio de um sonho de criança. Vou além e digo, que ele seja o que ama, que ele trabalhe com o que lhe encanta, que nunca perca o sorriso no rosto, aquele sorriso que me conquistou. Não tenho como saber, nem com minhas cartas do tarô se ele será um jogador de sucesso, famoso e milionário. Nas cartas tenho os sinais que me bastam, que ele será feliz e realizado. Ser feliz e realizado para ele pode ser diferente do que seria para mim e para outras tantas pessoas. Por isso lhe ensino a lutar por seus sonhos, mas sempre ter alternativas para caso este sonho e plano falhem em algum momento e também para o caso dele mudar de sonho. Não temos como saber se ele terá a altura ideal para um goleiro, não temos como prever se ele continuará sendo bom como é hoje e que não vai aparecer nenhum outro que seja muito melhor que ele. Neste meio, as oportunidades são pequenas e não sei se estaremos no lugar certo e na hora certa, como também não sei se isso está escrito no destino dele.
O esporte na vida dele tem função terapêutica, gasta energia que sobra em seu corpo para que depois em casa ele possa ficar mais calmo e centrado para as tarefas de casa e do colégio. Ele escolheu o futebol, eu lhe dei todas as alternativas e possibilidades, mas ele decidiu e se dedicou a cada treino, cada conquista, por isso o mantemos e o incentivamos no futebol. O esporte socializa, educa, fortalece o corpo e a mente, prefiro que faça esporte que tome remédios para controlar a ansiedade, a falta de foco e o colesterol. Ele é uma criança, e se diverte e faz amigos com o esporte, então que siga fazendo disso um impulso para ser uma pessoa melhor. Eu digo que sua meta é estudar e ser feliz, fazer o bem e ter valores que o destaquem no meio da multidão. Ser mais um, igual a todos, não! Não há mais espaço no mundo para quem faz igual ou pouco.
Nos mudamos para a Espanha, porque não gostávamos do Brasil que nosso País estava se tornando, não estávamos vendo a luz no final do túnel e nos preocupamos com o nosso futuro. Nos mudamos para a Espanha porque era o País possível, Enrique e Luiz Felipe têm nacionalidade espanhola. Se aqui vim por causa do meu filho? Sim, de certo modo sim, pois o futuro dele no Brasil estava comprometido. Aqui ele tem mais oportunidades de vida, mais qualidade de estudo e de vida. Aqui temos mais segurança e tempo para viver em família.
Nosso maior ganho aqui, foi exatamente isso, a possibilidade de vivermos mais em família. O tempo aqui corre de forma diferente, temos mais tempo para fazer tudo o que precisamos, comemos sempre em casa e juntos, os três a mesa. Temos tempo para conversar e acompanhar o crescimento e formação do nosso filho. No Brasil não percebíamos, mas a educação do nosso filho não seria a mesma, não teríamos o controle e a participação que aqui conseguimos. Os hábitos de vida e a possibilidade de viver num condomínio grande, repleto de segurança e laser que nos permitia deixar o filho no play com outras crianças, a principio parecia bom, mas agora percebemos que cobraria um preço com o passar do tempo e seria na união familiar e na formação do nosso filho. Um preço que hoje avalio e acredito que seria caro e indesejado. Aqui, pelo estilo de vida diferente, horário de estudo, frio e chuva, a vida se passa muito em família, e assim, tenho todas as chances de estar junto do meu filho, conhecendo seus pensamentos, atitudes e formando seus valores.
Como disse antes, esse texto é um desabafo, por todas as besteiras que já ouvimos, mas além disso é um recado para nosso pequeno grande menino. Quero dizer que estou feliz pelo menino que você se torna a cada dia. Responsável dentro da sua preguiça. Feliz dentro do seu humor rabugento. São fases, eu também fui assim, e um dia acordei e joguei fora o mau humor e a preguiça. O que você não deve jogar fora – nunca – é o seu encantamento, seu sorriso, seu amor pela vida, isso é a tua luz. Te amo, te amo, te amo!