Ontem recebi uma foto sua. Me doeu ver que você envelheceu demasiado nesses 4 anos que estamos afastadas uma da outra. Tentei te convencer de vir a morar aqui comigo, mas você se recusou, disse que só entraría no avião morta e me perguntou se meu objetivo era te matar. Não, claro que não, nunca foi. Mas sempre me preocupei por esse momento, quando a idade chegasse e você estivesse sozinha, longe de mim e sem apoio da família.
Fazem 7 anos que você decidiu vender seu apartamento no Rio de Janeiro. Não era um apartamento muito grande, nem muito claro, mas era um bom apartamento para uma pessoa viver com conforto num bairro repleto de comércio e onde você era muito conhecida. Eu sempre gostei daquela rua, arborizada, tranquila. Gostava de sair pela portaria, cumprimentar o porteiro que sempre nos tratava com imensa alegria e atravessar a rua. Justo em frente estava o centro comercial do bairro, onde eu sentava pela tarde, depois de te visitar, com um livro na mão. Pedia um café e uma torta. Cada dia pedia uma diferente, gostava de experimentar, mas claro, tinha a minha preferida a de chocolate com nata. Algumas vezes ia com você ali, não sempre, para evitar que o açucar te fizesse mal, pela sua idade e pela nossa genética é importante controlar a ingestão de doces para não ter diabete, como tinha a sua mãe.
Quando te vi na foto chorei, muito. Você está igual a sua mãe. Com o cabelo branco, repartido a um lado e cortado logo abaixo da orelha. Choro mais, porque me lembro que depois que seu pai morreu, você nunca mais voltou para ver sua mãe. Não sei porque, podíamos pegar um ônibus a noite e pala manhã estaríamos lá. Não teríamos muitos gastos e eu já trabalhava, podia pagar a viagem. Mas você sempre se recusou. Eu não me recuso em te ver, minha situação é diferente. Tem um oceano que nos separa e a viagem é bem cara. Agora incluso é impossível ir, mesmo se tivesse dinheiro, não poderia sair daqui. A Espanha tem todos os vôos cancelados, estamos isolados do mundo lutando contra um vírus que ameaça a todos os continentes, mas que cada País enfrenta de uma forma distinta. Aqui na Espanha já são mais de 170mil contaminados e 18mil mortos, segundo os jornais, porém expertos dizem que as cifras reais são muito maiores. Não temos muitas notícias do Brasil, só falam que o presidente é um inconsequente, que não quer decretar a quarentena, que todos os outros Países decretaram para proteger o sistema de saúde e a população. Dizem que ele só se preocupa com a economia, enquanto que o momento pede que se preocupe com as pessoas.
Temo o que pode te acontecer neste momento. Te liguei muitas vezes, você não me atende, não me liga. Não sei que raiva é esta que você tem de mim. Não entendo. Um médico daqui me disse que pode ser pela demencia não tratada e que você não reconhece. Claro que não vai reconhecer, a questão sempre foi, como fazer para te dar o tratamento se você não nos deixa te ajudar? Não sei o que fazer, mãe.
Hoje o único que posso fazer por você é orar e desejar que você não sofra.
Te amo, mãe!